Seja bem-vindo!

Nossa vida é tecida de muitas coisas boas e não tão boas. Mas, o fato é que esse emaranhado de coisas - que eu costumo chamar de "biroscas" -, fazem parte da nossa vida. São partes que formam o todo que é nossa vida. Trabalhamos, brincamos, corremos, amamos, brigamos, choramos, etc. São experiencias assim que temos a intenção de compartilhar com os nossos seguidores. Dessa forma, quem sabe não nos ajudamos, não é mesmo?




Amados irmãos e irmãs!

A Quinta-feira Santa não é apenas o dia da instituição da Santíssima Eucaristia, cujo esplendor se estende sem dúvida sobre tudo o mais, tudo atraindo, por assim dizer, para dentro dela. Faz parte da Quinta-feira Santa também a noite escura do Monte das Oliveiras, nela Se embrenhando Jesus com os seus discípulos; faz parte dela a solidão e o abandono vivido por Jesus, que, rezando, vai ao encontro da escuridão da morte; faz parte dela a traição de Judas e a prisão de Jesus, bem como a negação de Pedro; e ainda a acusação diante do Sinédrio e a entrega aos pagãos, a Pilatos. Nesta hora, procuremos compreender mais profundamente alguma coisa destes acontecimentos, porque neles se realiza o mistério da nossa Redenção.
Jesus embrenha-se na noite. A noite significa falta de comunicação, uma situação em que não nos vemos um ao outro. É um símbolo da não compreensão, do obscurecimento da verdade. É o espaço onde o mal, que em presença da luz tem de se esconder, pode desenvolver-se. O próprio Jesus – que é a luz e a verdade, a comunicação, a pureza e a bondade – entra na noite. Esta, em última análise, é símbolo da morte, da perda definitiva de comunhão e de vida. Jesus entra na noite para a superar, inaugurando o novo dia de Deus na história da humanidade.
Pelo caminho, Jesus cantou com os seus apóstolos os Salmos da libertação e redenção de Israel, que evocavam a primeira Páscoa no Egito, a noite da libertação. Chegado ao destino Ele, como faz habitualmente, vai rezar sozinho e, como Filho, falar com o Pai. Mas, diversamente do que é costume, quer ter perto de Si três discípulos: Pedro, Tiago e João; são os mesmos três que viveram a experiência da sua Transfiguração – viram transparecer, luminosa, a glória de Deus através da sua figura humana – , tendo-O visto no centro da Lei e dos Profetas, entre Moisés e Elias. Ouviram-No falar, com ambos, acerca do seu «êxodo» em Jerusalém. O êxodo de Jesus em Jerusalém: que palavra misteriosa! No êxodo de Israel do Egipto, dera-se o acontecimento da fuga e da libertação do povo de Deus. Que aspecto deveria ter o êxodo de Jesus, para que nele se cumprisse, de modo definitivo, o sentido daquele drama histórico? Agora os discípulos tornavam-se testemunhas do primeiro trecho de tal êxodo – a humilhação extrema –, mas que era o passo essencial da saída para a liberdade e a vida nova, que o êxodo tem em vista. Os discípulos, cuja proximidade Jesus pretendeu naquela hora de ânsia extrema como elemento de apoio humano, depressa se adormentaram. Todavia ainda ouviram alguns fragmentos das palavras ditas em oração por Jesus e observaram o seu comportamento. Estas duas coisas gravam-se profundamente no espírito deles, que depois as transmitiram aos cristãos para sempre. Jesus chama a Deus «Abbá»; isto significa – como eles adiantam – «Pai». Não é, porém, a forma usual para dizer «pai», mas uma palavra própria da linguagem das crianças, ou seja, uma palavra meiga que ninguém ousaria aplicar a Deus. É a linguagem d’Aquele que é verdadeiramente «criança», Filho do Pai, d’Aquele que vive em comunhão com Deus, na unidade mais profunda com Ele.
Se nos perguntássemos qual era o elemento mais característico da figura de Jesus nos Evangelhos, temos de dizer: a sua relação com Deus. Ele está sempre em comunhão com Deus; estar com o Pai é o núcleo da sua personalidade. Através de Cristo, conhecemos verdadeiramente Deus. «A Deus jamais alguém O viu»: diz São João. Aquele que «está no seio do Pai (…) O deu a conhecer» (1, 18). Agora conhecemos Deus, como Ele é verdadeiramente: Ele é Pai; e Pai com uma bondade absoluta, à qual nos podemos confiar. O evangelista Marcos, que conservou as recordações de São Pedro, narra que Jesus, depois da invocação «Abbá», acrescentou: Tudo Te é possível; Tu podes tudo (cf. 14, 36). Aquele que é a Bondade, ao mesmo tempo é poder, é omnipotente. O poder é bondade e a bondade é poder. Esta confiança podemos aprendê-la a partir da oração de Jesus no Monte das Oliveiras.
Antes de reflectir sobre o conteúdo da súplica de Jesus, devemos ainda fixar a nossa atenção sobre o que os evangelistas nos referem a propósito do comportamento d’Ele durante a sua oração. Mateus e Marcos dizem-nos que «caiu com a face por terra» (Mt 26, 39; cf. Mc 14, 35), assumindo por conseguinte a posição de submissão total, como se manteve na liturgia romana de Sexta-feira Santa. Lucas, por sua vez, diz-nos que Jesus rezava de joelhos. Nos Actos dos Apóstolos, fala da oração de joelhos feita pelos santos: Estêvão durante a sua lapidação, Pedro no contexto da ressurreição de um morto, Paulo a caminho do martírio. Assim Lucas redigiu uma pequena história da oração feita de joelhos na Igreja nascente. Ajoelhando-se, os cristãos entram na oração de Jesus no Monte das Oliveiras. Ameaçados pelo poder do mal, eles ajoelham: permanecem de pé frente ao mundo, mas, enquanto filhos, estão de joelhos diante do Pai. Diante da glória de Deus, nós, cristãos, ajoelhamo-nos reconhecendo a sua divindade; mas, com este gesto, exprimimos também a nossa confiança de que Ele vence. 
Jesus luta com o Pai: melhor, luta consigo mesmo; e luta por nós. Sente angústia frente ao poder da morte. Este sentimento é, antes de mais nada, a turvação que prova o homem, e mesmo toda a criatura viva, em presença da morte. Mas, em Jesus, trata-se de algo mais. Ele estende o olhar pelas noites do mal; e vê a maré torpe de toda a mentira e infâmia que vem ao seu encontro naquele cálice que deve beber. É a turvação sentida pelo totalmente Puro e Santo frente à torrente do mal que inunda este mundo e que se lança sobre Ele. Vê-me também a mim, e reza por mim. Assim este momento da angústia mortal de Jesus é um elemento essencial no processo da Redenção; de facto, a Carta aos Hebreus qualificou a luta de Jesus no Monte das Oliveiras como um acontecimento sacerdotal. Nesta oração de Jesus, permeada de angústia mortal, o Senhor cumpre a função do sacerdotes: toma sobre Si o pecado da humanidade, toma a todos nós e leva-nos para junto do Pai.
Por último, devemos debruçar-nos sobre o conteúdo da oração de Jesus no Monte das Oliveiras. Jesus diz: «Pai, tudo Te é possível; afasta de Mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres» (Mc 14, 36). A vontade natural do Homem Jesus recua, assustada, perante uma realidade tão monstruosa; pede que isso Lhe seja poupado. Todavia, enquanto Filho, depõe esta vontade humana na vontade do Pai: não Eu, mas Tu. E assim Ele transformou a atitude de Adão, o pecado primordial do homem, curando deste modo o homem. A atitude de Adão fora: Não o que quiseste Tu, ó Deus; eu mesmo quero ser deus. Esta soberba é a verdadeira essência do pecado. Pensamos que só poderemos ser livres e verdadeiramente nós mesmos, se seguirmos exclusivamente a nossa vontade. Vemos Deus como contrário à nossa liberdade. Devemos libertar-nos d’Ele – isto é todo o nosso pensar –; só então seremos livres. Tal é a rebelião fundamental, que permeia a história, e a mentira de fundo que desnatura a nossa vida. Quando o homem se põe contra Deus, põe-se contra a sua própria verdade e, por conseguinte, não fica livre mas alienado de si mesmo. Só somos livres, se permanecermos na nossa verdade, se estivermos unidos a Deus. Então tornamo-nos verdadeiramente «como Deus»; mas não opondo-nos a Deus, desfazendo-nos d’Ele ou negando-O. Na luta da oração no Monte das Oliveiras, Jesus desfez a falsa contradição entre obediência e liberdade, e abriu o caminho para a liberdade. Peçamos ao Senhor que nos introduza neste «sim» à vontade de Deus, tornando-nos deste modo verdadeiramente livres. Amem!

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EDUCAR OS JOVENS PARA A JUSTIÇA E A PAZ



1. O INÍCIO DE UM NOVO ANO, dom de Deus à humanidade, induz-me a desejar a todos, com grande confiança e estima, de modo especial que este tempo, que se abre diante de nós, fique marcado concretamente pela justiça e a paz.
Com qual atitude devemos olhar para o novo ano? No salmo 130, encontramos uma imagem muito bela. O salmista diz que o homem de fé aguarda pelo Senhor « mais do que a sentinela pela aurora » (v. 6), aguarda por Ele com firme esperança, porque sabe que trará luz, misericórdia, salvação. Esta expectativa nasce da experiência do povo eleito, que reconhece ter sido educado por Deus a olhar o mundo na sua verdade sem se deixar abater pelas tribulações. Convido-vos a olhar o ano de 2012 com esta atitude confiante. É verdade que, no ano que termina, cresceu o sentido de frustração por causa da crise que aflige a sociedade, o mundo do trabalho e a economia; uma crise cujas raízes são primariamente culturais e antropológicas. Quase parece que um manto de escuridão teria descido sobre o nosso tempo, impedindo de ver com clareza a luz do dia.
Mas, nesta escuridão, o coração do homem não cessa de aguardar pela aurora de que fala o salmista. Esta expectativa mostra-se particularmente viva e visível nos jovens; e é por isso que o meu pensamento se volta para eles, considerando o contributo que podem e devem oferecer à sociedade. Queria, pois, revestir a Mensagem para o XLV Dia Mundial da Paz duma perspectiva educativa: « Educar os jovens para a justiça e a paz », convencido de que eles podem, com o seu entusiasmo e idealismo, oferecer uma nova esperança ao mundo.
A minha Mensagem dirige-se também aos pais, às famílias, a todas as componentes educativas, formadoras, bem como aos responsáveis nos diversos âmbitos da vida religiosa, social, política, económica, cultural e mediática. Prestar atenção ao mundo juvenil, saber escutá-lo e valorizá-lo para a construção dum futuro de justiça e de paz não é só uma oportunidade mas um dever primário de toda a sociedade.
Trata-se de comunicar aos jovens o apreço pelo valor positivo da vida, suscitando neles o desejo de consumá-la ao serviço do Bem. Esta é uma tarefa, na qual todos nós estamos, pessoalmente, comprometidos.
As preocupações manifestadas por muitos jovens nestes últimos tempos, em várias regiões do mundo, exprimem o desejo de poder olhar para o futuro com fundada esperança. Na hora actual, muitos são os aspectos que os trazem apreensivos: o desejo de receber uma formação que os prepare de maneira mais profunda para enfrentar a realidade, a dificuldade de formar uma família e encontrar um emprego estável, a capacidade efectiva de intervir no mundo da política, da cultura e da economia contribuindo para a construção duma sociedade de rosto mais humano e solidário.
É importante que estes fermentos e o idealismo que encerram encontrem a devida atenção em todas  as componentes da sociedade. A Igreja olha para os jovens com esperança, tem confiança neles e encoraja-os a procurarem a verdade, a defenderem o bem comum, a possuírem perspectivas abertas sobre o mundo e olhos capazes de ver « coisas novas » (Is 42, 9; 48, 6).
Os responsáveis da educação
2. A educação é a aventura mais fascinante e difícil da vida. Educar – na sua etimologia latinaeducere – significa conduzir para fora de si mesmo ao encontro da realidade, rumo a uma plenitude que faz crescer a pessoa. Este processo alimenta-se do encontro de duas liberdades: a do adulto e a do jovem. Isto exige a responsabilidade do discípulo, que deve estar disponível para se deixar guiar no conhecimento da realidade, e a do educador, que deve estar disposto a dar-se a si mesmo. Mas, para isso, não bastam meros dispensadores de regras e informações; são necessárias testemunhas autênticas, ou seja, testemunhas que saibam ver mais longe do que os outros, porque a sua vida abraça espaços mais amplos. A testemunha é alguém que vive, primeiro, o caminho que propõe.
E quais são os lugares onde amadurece uma verdadeira educação para a paz e a justiça? Antes de mais nada, a família, já que os pais são os primeiros educadores. A família é célula originária da sociedade. « É na família que os filhos aprendem os valores humanos e cristãos que permitem uma convivência construtiva e pacífica. É na família que aprendem a solidariedade entre as gerações, o respeito pelas regras, o perdão e o acolhimento do outro ». Esta é a primeira escola, onde se educa para a justiça e a paz.
Vivemos num mundo em que a família e até a própria vida se vêem constantemente ameaçadas e, não raro, destroçadas. Condições de trabalho frequentemente pouco compatíveis com as responsabilidades familiares, preocupações com o futuro, ritmos frenéticos de vida, emigração à procura dum adequado sustentamento se não mesmo da pura sobrevivência, acabam por tornar difícil a possibilidade de assegurar aos filhos um dos bens mais preciosos: a presença dos pais; uma presença, que permita compartilhar de forma cada vez mais profunda o caminho para se poder transmitir a experiência e as certezas adquiridas com os anos – o que só se torna viável com o tempo passado juntos. Queria aqui dizer aos pais para não desanimarem! Com o exemplo da sua vida, induzam os filhos a colocar a esperança antes de tudo em Deus, o único de quem surgem justiça e paz autênticas.
Quero dirigir-me também aos responsáveis das instituições com tarefas educativas: Velem, com grande sentido de responsabilidade, por que seja respeitada e valorizada em todas as circunstâncias a dignidade de cada pessoa. Tenham a peito que cada jovem possa descobrir a sua própria vocação, acompanhando-o para fazer frutificar os dons que o Senhor lhe concedeu. Assegurem às famílias que os seus filhos não terão um caminho formativo em contraste com a sua consciência e os seus princípios religiosos.
Possa cada ambiente educativo ser lugar de abertura ao transcendente e aos outros; lugar de diálogo, coesão e escuta, onde o jovem se sinta valorizado nas suas capacidades e riquezas interiores e aprenda a apreciar os irmãos. Possa ensinar a saborear a alegria que deriva de viver dia após dia a caridade e a compaixão para com o próximo e de participar activamente na construção duma sociedade mais humana e fraterna.
Dirijo-me, depois, aos responsáveis políticos, pedindo-lhes que ajudem concretamente as famílias e as instituições educativas a exercerem o seu direito-dever de educar. Não deve jamais faltar um adequado apoio à maternidade e à paternidade. Actuem de modo que a ninguém seja negado o acesso à instrução e que as famílias possam escolher livremente as estruturas educativas consideradas mais idóneas para o bem dos seus filhos. Esforcem-se por favorecer a reunificação das famílias que estão separadas devido à necessidade de encontrar meios de subsistência. Proporcionem aos jovens uma imagem transparente da política, como verdadeiro serviço para o bem de todos.
Não posso deixar de fazer apelo ainda ao mundo dos media para que prestem a sua contribuição educativa. Na sociedade actual, os meios de comunicação de massa têm uma função particular: não só informam, mas também formam o espírito dos seus destinatários e, consequentemente, podem concorrer notavelmente para a educação dos jovens. É importante ter presente a ligação estreitíssima que existe entre educação e comunicação: de facto, a educação realiza-se por meio da comunicação, que influi positiva ou negativamente na formação da pessoa.
Também os jovens devem ter a coragem de começar, eles mesmos, a viver aquilo que pedem a quantos os rodeiam. Que tenham a força de fazer um uso bom e consciente da liberdade, pois cabe-lhes em tudo isto uma grande responsabilidade: são responsáveis pela sua própria educação e formação para a justiça e a paz.
Educar para a verdade e a liberdade
3. Santo Agostinho perguntava-se: « Quid enim fortius desiderat anima quam veritatem – que deseja o homem mais intensamente do que a verdade? ». O rosto humano duma sociedade depende muito da contribuição da educação para manter viva esta questão inevitável. De facto, a educação diz respeito à formação integral da pessoa, incluindo a dimensão moral e espiritual do seu ser, tendo em vista o seu fim último e o bem da sociedade a que pertence. Por isso, a fim de educar para a verdade, é preciso antes de mais nada saber que é a pessoa humana, conhecer a sua natureza. Olhando a realidade que o rodeava, o salmista pôs-se a pensar: « Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, a lua e as estrelas que Vós criastes: que é o homem para Vos lembrardes dele, o filho do homem para com ele Vos preocupardes? » (Sal 8, 4-5). Esta é a pergunta fundamental que nos devemos colocar: Que é o homem? O homem é um ser que traz no coração uma sede de infinito, uma sede de verdade – não uma verdade parcial, mas capaz de explicar o sentido da vida –, porque foi criado à imagem e semelhança de Deus. Assim, o facto de reconhecer com gratidão a vida como dom inestimável leva a descobrir a dignidade profunda e a inviolabilidade própria de cada pessoa. Por isso, a primeira educação consiste em aprender a reconhecer no homem a imagem do Criador e, consequentemente, a ter um profundo respeito por cada ser humano e ajudar os outros a realizarem uma vida conforme a esta sublime dignidade. É preciso não esquecer jamais que « o autêntico desenvolvimento do homem diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em todas as suas dimensões », incluindo a transcendente, e que não se pode sacrificar a pessoa para alcançar um bem particular, seja ele económico ou social, individual ou colectivo.
Só na relação com Deus é que o homem compreende o significado da sua liberdade, sendo tarefa da educação formar para a liberdade autêntica. Esta não é a ausência de vínculos, nem o império do livre arbítrio; não é o absolutismo do eu. Quando o homem se crê um ser absoluto, que não depende de nada nem de ninguém e pode fazer tudo o que lhe apetece, acaba por contradizer a verdade do seu ser e perder a sua liberdade. De facto, o homem é precisamente o contrário: um ser relacional, que vive em relação com os outros e sobretudo com Deus. A liberdade autêntica não pode jamais ser alcançada, afastando-se d’Ele.
A liberdade é um valor precioso, mas delicado: pode ser mal entendida e usada mal. « Hoje um obstáculo particularmente insidioso à acção educativa é constituído pela presença maciça, na nossa sociedade e cultura, daquele relativismo que, nada reconhecendo como definitivo, deixa como última medida somente o próprio eu com os seus desejos e, sob a aparência da liberdade, torna-se para cada pessoa uma prisão, porque separa uns dos outros, reduzindo cada um a permanecer fechado dentro do próprio “eu”. Dentro de um horizonte relativista como este, não é possível, portanto, uma verdadeira educação: sem a luz da verdade, mais cedo ou mais tarde cada pessoa está, de facto, condenada a duvidar da bondade da sua própria vida e das relações que a constituem, da validez do seu compromisso para construir com os outros algo em comum ».
Por conseguinte o homem, para exercer a sua liberdade, deve superar o horizonte relativista e conhecer a verdade sobre si próprio e a verdade acerca do que é bem e do que é mal. No íntimo da consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer e cuja voz o chama a amar e fazer o bem e a fugir do mal, a assumir a responsabilidade do bem cumprido e do mal praticado. Por isso o exercício da liberdade está intimamente ligado com a lei moral natural, que tem carácter universal, exprime a dignidade de cada pessoa, coloca a base dos seus direitos e deveres fundamentais e, consequentemente, da convivência justa e pacífica entre as pessoas.
Assim o recto uso da liberdade é um ponto central na promoção da justiça e da paz, que exigem a cada um o respeito por si próprio e pelo outro, mesmo possuindo um modo de ser e viver distante do meu. Desta atitude derivam os elementos sem os quais paz e justiça permanecem palavras desprovidas de conteúdo: a confiança recíproca, a capacidade de encetar um diálogo construtivo, a possibilidade do perdão, que muitas vezes se quereria obter mas sente-se dificuldade em conceder, a caridade mútua, a compaixão para com os mais frágeis, e também a prontidão ao sacrifício.
Educar para a justiça
4. No nosso mundo, onde o valor da pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos, não obstante as proclamações de intentos, está seriamente ameaçado pela tendência generalizada de recorrer exclusivamente aos critérios da utilidade, do lucro e do ter, é importante não separar das suas raízes transcendentes o conceito de justiça. De facto, a justiça não é uma simples convenção humana, pois o que é justo determina-se originariamente não pela lei positiva, mas pela identidade profunda do ser humano. É a visão integral do homem que impede de cair numa concepção contratualista da justiça e permite abrir também para ela o horizonte da solidariedade e do amor.
Não podemos ignorar que certas correntes da cultura moderna, apoiadas em princípios económicos racionalistas e individualistas, alienaram das suas raízes transcendentes o conceito de justiça, separando-o da caridade e da solidariedade. Ora « a “cidade do homem” não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão. A caridade manifesta sempre, mesmo nas relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a todo o empenho de justiça no mundo ».
« Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados » (Mt 5, 6). Serão saciados, porque têm fome e sede de relações justas com Deus, consigo mesmo, com os seus irmãos e irmãs, com a criação inteira.
Educar para a paz
5. « A paz não é só ausência de guerra, nem se limita a assegurar o equilíbrio das forças adversas. A paz não é possível na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, a livre comunicação entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos e a prática assídua da fraternidade ». A paz é fruto da justiça e efeito da caridade. É, antes de mais nada, dom de Deus. Nós, os cristãos, acreditamos que a nossa verdadeira paz é Cristo: n’Ele, na sua Cruz, Deus reconciliou consigo o mundo e destruiu as barreiras que nos separavam uns dos outros (cf. Ef 2, 14-18); n’Ele, há uma única família reconciliada no amor.
A paz, porém, não é apenas dom a ser recebido, mas obra a ser construída. Para sermos verdadeiramente artífices de paz, devemos educar-nos para a compaixão, a solidariedade, a colaboração, a fraternidade, ser activos dentro da comunidade e solícitos em despertar as consciências para as questões nacionais e internacionais e para a importância de procurar adequadas modalidades de redistribuição da riqueza, de promoção do crescimento, de cooperação para o desenvolvimento e de resolução dos conflitos. « Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus » – diz Jesus no sermão da montanha (Mt 5, 9).
A paz para todos nasce da justiça de cada um, e ninguém pode subtrair-se a este compromisso essencial de promover a justiça segundo as respectivas competências e responsabilidades. De forma particular convido os jovens, que conservam viva a tensão pelos ideais, a procurarem com paciência e tenacidade a justiça e a paz e a cultivarem o gosto pelo que é justo e verdadeiro, mesmo quando isso lhes possa exigir sacrifícios e obrigue a caminhar contracorrente.
Levantar os olhos para Deus
6. Perante o árduo desafio de percorrer os caminhos da justiça e da paz, podemos ser tentados a interrogar-nos como o salmista: « Levanto os olhos para os montes, de onde me virá o auxílio? » (Sal 121, 1).
A todos, particularmente aos jovens, quero bradar: « Não são as ideologias que salvam o mundo, mas unicamente o voltar-se para o Deus vivo, que é o nosso criador, o garante da nossa liberdade, o garante do que é deveras bom e verdadeiro (…), o voltar-se sem reservas para Deus, que é a medida do que é justo e, ao mesmo tempo, é o amor eterno. E que mais nos poderia salvar senão o amor? ». O amor rejubila com a verdade, é a força que torna capaz de comprometer-se pela verdade, pela justiça, pela paz, porque tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13, 1-13).
Queridos jovens, vós sois um dom precioso para a sociedade. Diante das dificuldades, não vos deixeis invadir pelo desânimo nem vos abandoneis a falsas soluções, que frequentemente se apresentam como o caminho mais fácil para superar os problemas. Não tenhais medo de vos empenhar, de enfrentar a fadiga e o sacrifício, de optar por caminhos que requerem fidelidade e constância, humildade e dedicação.
Vivei com confiança a vossa juventude e os anseios profundos que sentis de felicidade, verdade, beleza e amor verdadeiro. Vivei intensamente esta fase da vida, tão rica e cheia de entusiasmo.
Sabei que vós mesmos servis de exemplo e estímulo para os adultos, e tanto mais o sereis quanto mais vos esforçardes por superar as injustiças e a corrupção, quanto mais desejardes um futuro melhor e vos comprometerdes a construí-lo. Ciente das vossas potencialidades nunca vos feche em vós próprios, mas trabalhai por um futuro mais luminoso para todos. Nunca vos sintais sozinhos! A Igreja confia em vós, acompanha-vos, encoraja-vos e deseja oferecer-vos o que tem de mais precioso: a possibilidade de levantar os olhos para Deus, de encontrar Jesus Cristo – Ele que é a justiça e a paz.
Oh vós todos, homens e mulheres, que tendes a peito a causa da paz! Esta não é um bem já alcançado, mas uma meta, à qual todos e cada um devem aspirar. Olhemos, pois, o futuro com maior esperança, encorajemo-nos mutuamente ao longo do nosso caminho, trabalhemos para dar ao nosso mundo um rosto mais humano e fraterno e sintamo-nos unidos na responsabilidade que temos para com as jovens gerações, presentes e futuras, nomeadamente quanto à sua educação para se tornarem pacíficas e pacificadoras! Apoiado em tal certeza, envio-vos estas reflexões que se fazem apelo: Unamos as nossas forças espirituais, morais e materiais, a fim de « educar os jovens para a justiça e a paz ».

Vaticano, 8 de Dezembro de 2011.
Papa Bento XVI

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Os assuntos que pensei para este artigo, ainda causam os mais diversos tipos de reação, nos mais variados tipos de pessoas: a intimidade sexual do casal. Não quero, em hipótese alguma, sugerir que os casais devam falar publicamente de sua intimidade, mas que se deve falar do assunto. Por isso que nesse texto não falarei de detalhes da minha vida intima e pessoal como exemplo. A barreira que nenhum dos cônjuges deve ultrapassar quando se trata desse assunto, não ultrapassarei. Dessa forma, já deixo uma primeira dica: as particularidades da vida sexual dos dois deve ser assunto dos dois.
No artigo anterior, lembramos que os casais se separam com muita facilidade. Dissemos que falta maturidade e paciência. E para levar uma vida sexual equilibrada, mais uma vez é preciso muita maturidade. E mais do que nunca, você precisa pensar em fazer o outro feliz. No sexo, você não pode pensar só no seu prazer. Sexo para ser um momento de prazer completo, tem que ter sintonia (o que pode ser traduzido, imediatamente, como amor) entre os dois. Por isso, a vida sexual é componente muito importante na vida matrimonial. Se a vida sexual de um casal anda mal conduzida, pode esfriar a relação entre os dois, e o resultado não é tão incomum de se constatar.
Bom, já entendemos a importância da vida sexual na vida a dois. E dessa conclusão, com a nossa experiência de vida, com a mídia, etc., sabemos que muitos casamentos já terminaram tendo como causa a vida sexual mal conduzida, ou mal entendida. E é aqui que quero tratar de um assunto muito polêmico; que alguns têm certeza que essa prática leva ao inferno, alguns têm peso na consciência por já terem feito e, a grande verdade, é que a enorme maioria das pessoas, tem muita dúvida. Estamos falando de FANTASIAS SEXUAIS. Pecado? Coisa que um casal descente, que casou na Igreja, nunca deve fazer? Gente, não há nada de errado e menos ainda de pecado nas fantasias sexuais. É a Igreja quem diz isso, não é coisa da minha cabeça! Vale apena, e muito, apimentar a relação sexual do casal. Usar uma peça intima que vai estimular seu marido, levar sua esposa para passar a noite naquele lugar que ela adora; aquele perfume, aquele cheirinho de incenso, uma fantasia, uma dancinha, etc. Coisas simples e isentas de pecado, que podem manter acesa a chama bonita da vida intima do casal.
Acerca disso, a Igreja Católica nos ensina algumas coisas em livros, documentos, para que nesses momentos de fantasia, de eroticidade, não se caia em situação de pecado. Por exemplo: você não pode pedir que sua esposa se vista de uma fantasia que lhe levará a pensar e sentir prazer com a personagem e não com a sua esposa. A fantasia é para lhe fazer amar, desejar e querer bem, mais ainda, a sua esposa.
Outra coisa, acerca da qual se discute muito, é o ato de frequentar alguns lugares. Pessoal, não encontrei nada de escrito por onde já li, e em conversas com autoridades eclesiásticas, que diga que é pecado você ir “com sua esposa” ao motel. Porém, convenhamos que não seja o lugar mais adequado para você levar a mulher que você ama, a mãe dos seus filhos. Mas, uma coisa é certa, e isso a Igreja ensina há anos: não é o lugar que faz o pecado. Mas, com quem você foi ao motel? Isso pode ser pecado. Porém, seja dito que se os dois se amam e são casados, querem comemorar uma data especial, ter o seu momento a sós, sem os filhos (que é normal que se tenha), vale apena buscar meios e lugares para viverem esses momentos de intimidade e de amor.
Para finalizar esse assunto, por hora, vai mais um conselho para aqueles que gostam de inovar, ou que começarão depois dessa leitura: DIÁLOGO! Maridos – falo de “maridos” por estar falando como um -, não queiram inventar fantasia para sua esposa sem antes saber o que ela acha. Não peça para que, na cama, ela fique em posições – as posições é outro assunto indigesto para muita gente. Mas, é outra coisa isenta de pecado – que ela não gosta. Para irem naquele lugar especial, combinem antes, para que seja especial para os dois.
Mas, tem uma ultima coisa muito importante, que deixei para falar por ultimo, mas que por isso não é menos importante, e que deve reger todos os atos, sentimentos que mencionei até agora: O AMOR! Se ele não existe antes do sexo, do prazer, a relação dos dois será vazia e se tornará um simples ato sexual, e não um momento bonito de culminância de um sentimento bonito que os uniu.

Terminado esse artigo, gostaria de indicar, dessa vez, um livro que pode ajudar muita gente a tirar mais dúvidas, a entender muitas outras coisas acerca de muitos outros assuntos. Talvez nem tanto sobre sexo, mas sobre família e o que acontece quando o sexo é coisa de festa, de pé de muro, um ato irresponsável na vida de duas pessoas. O nome do livro é: Os fatos da vida: um guia indispensável para as questões da vida e da família; o autor é Brian Clowes. Boa leitura!

Francisco Edielson
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Igreja de São Benedito, 10 de julho de 2010: Edielson e Aldeiza
Não é mais novidade nenhuma ouvirmos falar em casais que se separam nos primeiros meses de casados, ou até mesmo nos primeiros dias, como vemos com bastante frequência na mídia.
Mas, o que aconteceu? O amor terá acabado? Isso é um sentimento extinto, por isso se separa com frequência? Bom, farei comentários acerca desses e outros assuntos, com base na minha recente experiencia de pouco mais de um ano de casado. E o que posso dizer inicialmente, é que falta mais maturidade e paciência.
Nos nossos tempos, as pessoas não admitem mais serem contrariadas, não aceitam terem que calar e, menos ainda, aceitam perdoar. Se sou contrariado, a solução mais prática é: cada um procurar seu rumo, e pronto. Porém, posso afirmar, sem dúvidas, que não se constrói uma vida dois, sólida, com fundamentos verdadeiros, sem fazer renuncias, sem desentendimento, contrariedade de idéias, etc. Casamento não é para quem quer vida fácil, é para quem quer coisa séria; para quem tem intenção de fazer o outro feliz sem esperar nada em troca. Isso se chama amor!
Acerca desse desprendimento de si mesmo, para poder entrar num casamento, me disse um dia um grande sábio: "Você quer casar por que"? Sem duvidar, e com muita certeza de estar certo, respondi: "Para ser feliz"! Ele sorriu de forma a me desarmar da minha certeza, e disse: "Não case! Pois não entendeu o sentido do matrimonio ainda. Nesses mais de 40 anos de padre, atendendo as pessoas, tenho ouvido muitos casais. Por isso, tenho certa autoridade para falar a respeito. E posso afirmar que os casamentos onde um dos dois, ou os dois, casam para ser feliz, não dão certo. E não dão certo porque não se pode casar com a intenção primeira de ser feliz. Você ama? Então faça o seu par feliz. Se você pensa na sua felicidade, começa a entrar outras coisas no seu casamento para te satisfazer. Por isso, homens e mulheres traem! Porque pensam 'no seu' momento feliz".
Lembrei - e lembro - dessa nossa conversa muitas vezes antes de casar e nos momentos de crises pessoais. E essas benditas crises vieram, muitas vezes, por coisas tão pequenas, tão sem sentido no conjunto que deve ser o matrimônio sólido, que deveria ter vergonha de citar algumas aqui. Mas, é bom que fale delas para que, quem sabe, outras pessoas possam ser ajudadas.
Eu saí de casa aos 17 anos...pela porta da frente! Criei minha independência, construí minhas coisas, minha vida. Depois, aos 27 anos, me casei e, claro, juntamos as coisas. Meus costumes aos costumes dela. Durante todo tempo em que morei só, ninguém mexia em "minhas" coisas, no "meu" quarto. "Minhas" coisas sempre ficaram como eu deixava. E eu não era e não sou bagunceiro! Gostava e gosto das coisas no lugar. Morando juntos, começaram as estranhezas...Quando eu achava que "meu" shampoo estava pela metade, tinha acabado. "Meus" sapatos sempre fora do lugar que deixava. O carregador do "meu" celular ela guardava e eu nunca achava. E dessa forma, "as minhas coisas" foram se misturando as coisas dela e...por isso, algumas vezes nos desentendemos. Ou, eu me desentendia com ela! Por causa desse bendito "meu", eu apanhei muito! A ideia do "meu" tinha que ser desfeita. Como fazer uma só carne, uma só vida se quero levar a minha vida, com as minhas coisas e ela com a dela? Desfazer a ideia egoísta do meu, é um grande passo! Como pude demorar tanto a entender que no "nós" não existe o "meu e o teu"? Amadurecida essa ideia e usando muito diálogo, contornamos essa situação e muitas outras.
O casamento é resultado do amor entre duas pessoas. Que com seus erros e diferenças, se amam e querem fazer feliz um ao outro. Amo a minha esposa! Quero vê-la feliz todo dia. Sei que vou errar tentando fazer isso, mas ela, companheira que é, está ali, também para me ajudar a encontrar o caminho certo.
Casaram? Não estão conseguindo se entender? Calma! Posso garantir que isso é normal e garantir que não é motivo para separação. Diálogo é o primeiro passo para resolver as diferenças. E lembre: só há diálogo onde um fala por vez e outro escuta.
Tenha certeza: problemas do tipo que descrevi acima, e até piores, vão sempre existir. Por isso, exercite o ato de perdoar; mas, não perca a oportunidade de uma boa conversa para ajudar o outro a melhorar, a certar, a reconhecer que errou. Mas, não faça isso de cima: faça como alguém que caminha junto!
E agora? Comece tentando fazer o outro feliz!

Francisco Edielson P. Santos




Para ilustrar o que disse até aqui, escolhi um filme para indicar aos leitores. Ele se chama À PROVA DE FOGO (Direitos reservado a Sony Pictures). Para ajudar, a Capa do filme é a ao lado.


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O contexto histórico caracterizado por uma série de mudanças e alterações nas modalidades da reflexão, muitas vezes cheias de ambiguidades, que veio instaurando-se, e que de certa forma colocam em discussão a razão de ser e o próprio significado da família, com a sua fisionomia insubstituível e própria, fundada no projeto de Deus Criador, fez com que hoje, seja imprescindível, insistir no artigo (no singular) A família.
É preciso ressaltar o uso do singular: A FAMÍLIA, quando torna-se mais freqüente um uso do plural, AS FAMÍLIAS, pelo fato que o uso do plural, comporta uma negação do modelo da mesma, fundada no matrimônio, comunidade de amor e de vida, de um homem e uma mulher, abertos à vida. Ligado ao conceito original e no singular de A família, está a sua filosofia, o seu fundamento antropológico sobre o qual o Papa abordou muitos aspectos iluminadores do seu magistério2.
Se permanecemos sem confusões, sem concessões indevidas, o modelo da família pensado por Deus, como instituição natural nos distanciamos de uma visão superficial e precipitada, que concebe o matrimônio e a família como simples fruto da vontade humana, produto de acordos frágeis. Consensos, acordos que não oferecem a estabilidade e a identidade como uma riqueza, mas contrariamente, a precariedade, portanto a unidade matrimonial está sujeita a deterioração através de sucessivas erosões que debilitam a família.
No texto de Gênesis 2, 24, o Senhor declara solenemente o projeto de Deus, desde o princípio da criação ("ab initio": como modelo pensado pelo Criador). Existe uma ordem estabelecida por Deus desde a criação (AP ARCHES) (cf. Mt. 19,4): "Criou-os homem e mulher… Por isso o homem deixará, seu pai e sua mãe e se unirá a sua mulher e os dois serão uma só carne. De modo que não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu."3. O Catecismo da Igreja Católica traz o comentário de Tertuliano: "Não existe nenhuma divisão quanto ao espírito, quanto a carne; pelo contrário,…ali aonde a carne é uma, um também, é o espírito." (C.E.C., n. 1642). É necessário lembrar que, "carne", na linguagem bíblica, refere-se não só ao aspecto material do homem , mas ao homem como pessoa, como um todo. São Paulo, na carta aos Efésios, refere-se também a esta passagem da Gênesis (cf. Ef. 5, 31) e a apresenta como o "grande mistério (to mysterion… mega)" (Ef. 5, 32), no que diz respeito à Cristo e a Igreja. O "gran de mistério" (o maior dos mistérios, no processo que refere-se a Escritura), baseia-se no fato que o homem (anthropos: Adão), é o tipo (typos) do amor de Cristo e da Igreja4.
O tema que comentamos, encontra a chave no dom, que tem a sua fonte em Deus, da onde todo dom provêm (cf. Gc 1,17). É o dom recebido na Igreja ("dom da Igreja") e por ela, através da Igreja doméstica.
O consentimento é o elemento indispensável que constitui o matrimonio, é o dom que os futuros esposos se oferecem reciprocamente numa acolhida livre e explicita . (C.E.C., n. 1626). Este "ato pelo qual os esposos se dão e se recebem" (C.E.C., n. 1627) deveria ser expresso na fórmula que todo o casal deveria saber de memória e exprimir de forma pessoal e significativa.
Poderia dizer-se que a insistência da Igreja em uma adequada preparação ao matrimônio, nas diferentes etapas, busca assegurar que o "SIM" dos esposos tenha toda sua segurança e densidade (cf. C.E:C., n. 1632), já que está na base dos bens e exigências do amor conjugal. Ali se encontra a chave da felicidade, como exprime a bênção nupcial do ritual: "que encontrem suas felicidades doando-se um ao outro". A celebração liturgica deve expressar tudo que representa esta recíproca entrega entre os esposos , a Igreja e Deus, com este amor derramado em seus corações5.
O dom dos esposos, pontual e permanente, que supõe e exprime uma liberdade madura, com a forma canônica do sacerdote que recebe o consentimento em nome da Igreja, "exprime visivelmente a realidade eclesiástica do matrimônio" (cf. C.E.C., n. 1630, 1631), um compromisso público, com o "vínculo estabelecido por Deus" (C.E.C., n. 1640), vínculo irrevogável que exige fidelidade entre os esposos, e a Deus, fiel no que dispõe a Sua sabedoria. Cristo está presente no coração das liberdades humanas, com a sua potente continuidade, em um ato renovado quotidianamente, com o qual os esposos são quase ("veluti") consagrados, observa a Gaudium et Spes (n. 48).

Os esposos não podem alcançar suas felicidades e plenitudes fora desta verdade que enriquece o sentido de suas liberdades. Os esposos entregam-se reciprocamente em Cristo, que vai em suas direções oferecendo as energias necessárias para superar as limitações de uma liberdade vulnerável, necessitada, permitindo assim , aos mesmos, de expressar com sinceridade "eu… recebo você… como esposo(a) e prometo de ser-te fiel … por todos os dias de minha vida"6. Estas palavras que acompanham as mãos dos esposos que se cruzam, estão carregadas de significados e devem advertir aos mesmos sobre os riscos de uma traição do amor, que o mundo apresenta como um direito ou até mesmo libertação. Assim, a palavra torna-se inexpressiva e o gesto vazio, insignificante.


Cardeal Afonso Lopez
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